domingo, março 23, 2008

Elogio da meteorologia

O velho Doutor Homem, meu pai, declarou várias vezes o seu temor em relação aos meteorologistas, a quem acusava de grande parte dos males do Mun­do. Creio que isso se devia ao fac­to de achar que lhe faziam concor­rência desleal; ele sempre consi­derou que o Mundo devia coorde­nar-se livremente com o clima e o destempero dos elementos e achava o assunto da previsão me­teorológica tão desinteressante como o 'Frei Luís de Sousa'. Ao contrário dos barbudos de Kabul, que fuzilaram os meteorologistas porque só Alá (ou Maomé, em sua generosa substituição) pode co­mandar os destinos da atmosfera, o velho advogado considerava-se totalmente imune em relação às previsões sobre o bom e o mau tempo; limitava-se a viver fora deste Mundo e a andar de guarda-chuva se era Inverno ou a mu­dar de fato se a Primavera anun­ciava a inclemência do Verão -mas mandar fuzilar o dr. Anthímio de Azevedo estava completamente fora de causa.

Suponho que esta relação ex­cêntrica com a meteorologia se deveu, em grande parte, ao facto de o seu pai (o meu avô, adminis­trador de quintas no vale do Dou­ro e confidente de Guerra Junqueiro) ter vivido obcecado com as variações climáticas e a possi­bilidade de granizo fora de época. Hoje em dia, ele seria um céptico em rela­ção ao aquecimento global, mas apenas por conveniência em rela­ção às vindimas tardias. Nesse tempo em que viajava pela velha linha do Douro prestando contas e aconselhando economias (que era o seu remédio para tudo), o granizo a partir de Julho era a pior das desgraças, danificando a parra e as uvas ao mesmo tempo.

A minha sobrinha acha que eu me preocupo com coisas inúteis e aparentemente desnecessárias, como a espada do senhor Dom Mi­guel ou as desventuras da Tia Be­nedita durante a República de Afonso Costa. Porém, num mundo de economistas e de gestores, a meteorologia tem uma virtude suplementar: não só passa por ser uma dessas coisas inúteis como, ainda por cima, acerta muito mais previsões do que os economistas. Ten­to explicar-lhe esta evi­dência com factos e o his­torial de desastres nunca previstos pelos econo­mistas, mas ela não se convence. Há nas novas gerações uma vontade que me surpreende – querem segurança nos dados e nas previ­sões. Mas não sabem distinguir entre meteorologistas e a ciência mais esotéri­ca dos nossos tem­pos.

in Domingo – Correio da Manhã – 23 Março 2008