domingo, maio 11, 2008

Os jardins da família (2)

No último momento, o representante dos Homem ficou em pleno Alentejo (em Alvalade) nessa noite de 30 para 31 de Maio de 1834, afastado da comitiva que iria acompanhar o Senhor D. Miguel na sua derradeira viagem, entre Sines e Génova. Essa é a razão por que a família, depois de um interesse puramente romântico pelo Remexido e pelo Setembrismo, se fixou nos seus territórios, reduzida à contemplação da política – e satisfeita com isso. Só a Tia Benedita guardou, até aos seus últimos dias, um conjunto de estampas onde se reuniam imagens de Génova, Porto d'Anzio, Roma, Londres e, finalmente, Francoforte, os lugares por onde peregrinou o exílio do príncipe proscrito. O sebastianismo, mesmo com outro nome, não vingou dentro de casa, certamente por falta de "uma base sentimental", como justificava o velho Doutor Homem, meu pai, a quem todos os seus irmãos recorriam em momentos de desfalecimento espiritual ou de desengano amoroso. Ele atribuía às desilusões da política o interesse pelos jardins, porque sabia que havia um preço a pagar pela solidão e pela conservação da espécie. Naquela rede emaranhada de buganvílias, japoneiras, malmequeres, roseiras de Sta. Teresinha, havia uma ordem superior que a história e os seus azares explicavam e, se pudesse, ele provaria que o cabralismo, a República e, finalmente, o regime do dr. Salazar, tinham contribuído enormemente para o conhecimento que a família tinha da arte da jardinagem – e dessa outra ciência que lhe estava próxima, a do recolhimento.

A Tia Benedita, que ignorava o motivo pelo qual o Tio Alberto se transformara num botânico emérito, acreditava que a alma dos jardineiros flutuava um pouco acima da do comum dos mortais, entre muros altos que defendiam o velho casarão de Ponte de Lima das invasões da realidade. Dou graças por essas ideias fundamentais. Durante anos, mais de um século, ajudaram-nos a suportar as adversidades.

Trata-se, como se sabe, de um exercício muito pouco português; daí que os portugueses descurem os jardins e os tratem apenas como ornamento dispensável. As grandes civilizações, que tinham grandes desgostos, sabiam que havia uma ordem oculta nessa beleza e que esta funcionava como uma espécie de compensação pelos males do mundo, que são excessivos e castigam culpados e inocentes.

in Domingo - Correio da Manhã - 11 Maio 2008