domingo, agosto 16, 2009

O dia em comecei a ser velho

Por ironia costumo dizer que nasci com trinta anos. Esta disposição prévia poupa-me a desconcertos e desaguisados com a História e livra-me da necessidade de constantemente justificar pormenores que a minha idade só por si justifica. Quando, certa tarde de Outono, uma das minhas irmãs que tinha regressado de uma temporada de férias em Cuba, me pediu a opinião sobre o assunto (o “assunto” era Cuba, não as férias dos turistas europeus, embevecidos com tanto rum a preço inflacionado, mas socialista), bastou-me mencionar que a minha idade adulta começou com Fulgencio Batista a tomar o poder – e não com os barbudos a descer para a Havana. Sou do tempo que Churchill, ai de nós, bebia conhaque e fumava abundantemente – e não do tempo em que ele se recorda como um símbolo da Europa. Sou, enfim, do tempo em que Juscelino Kubitscheck era um jovem presidente detestado pelas esquerdas – e não do tempo em que o regime militar lhe retirou os direitos políticos. Por falar em Brasil, sou do tempo em que Jânio Quadros, mais tarde incensado pela esquerda, proibiu o biquíni e decretou o ‘rock and roll’ fora da lei nos bailes da cidade de São Paulo – tudo aquilo que o dr. Salazar faria, se Portugal não fosse o corredor de convento que sempre foi.

De modo que nunca comecei a ser velho; pura e simplesmente deu-se o caso de ter nascido com a idade ideal. Não fui rebelde, não fui futebolista nem toquei guitarra durante a universidade, período durante o qual me procurei livrar do curso de Direito, fazendo-o regularmente, enaltecendo – sem saber – as virtudes da ‘aurea mediocritas’ doméstica, temendo o futuro e respeitando os retratos que a família guardou ao longo de séculos.

Muitas das ‘conquistas’ dos anos sessenta estavam garantidas dentro da família dez ou vinte anos antes – os banhos de mar, o óleo de bronzear, as viagens sem destino e o livre espírito. O velho Doutor Homem, meu pai, providenciou-nos, com largueza, uma amostra do que devia ser uma coisa que não existia entre nós: uma mentalidade conservadora e liberal. Liberal nos costumes, nas leituras, nas descobertas pessoais – e conservadora exactamente nos mesmos parágrafos, tendo em conta que não acreditava demasiado na propensão da humanidade para o bem.

Pessoalmente, a questão nunca se colocou. Educado para ser aquilo que eu pudesse querer ser, nunca quis ser jovem nem ter borbulhas e espinhas na cara. Eu gostava de ter sido alto, bem cuidado e inteligente. Como um inglês viajado, no fim de contas. Não aconteceu, mas não envelheci mais por isso.

in Domingo - Correio da Manhã - 16 Agosto 2009