domingo, julho 18, 2010

O Verão de Moledo e a passagem do tempo

Na semana passada, a minha sobrinha Maria Luísa veio de Braga mais cedo, antecipando o fim-de-semana com o argumento de que "tinha coisas para fazer". Dona Elaine, a governanta do eremitério de Moledo, que alia à sabedoria das minhotas de Roboreda a fina perspicácia que não esqueceu do Brasil (onde esteve emigrante), alvitrou que isso se deveria "aos ares do Verão", ainda que a desculpa oficial fosse a de visitar as feiras de Cerveira e de Vila Praia de Âncora.

Para acompanhar o Verão e saudar a época balnear, as feiras de Cerveira, de Âncora e de Caminha são uma intromissão festiva que sempre se saudou na família. Eu próprio sou arrastado para o meio das quinquilharias, cheiros de doces e grelhados, artefactos de cozinha e ruídos de romaria. No ano passado, os meus sobrinhos presentearam-me com uma harmónica, verdadeira imitação das antigas Hohner Chromonica, uma preciosidade que abundava no Minho, à mistura com os cavaquinhos, os acordeões e as concertinas da minha província (e que competiam com as gaitas-de-foles da outra margem do rio Minho). Este ano coube-me apenas apreciar o entardecer e acompanhar Maria Luísa, que esta semana completava quarenta e quatro anos. Trata-se da idade perfeita. Na minha idade, limito--me a contemplar – reflectida seus olhos – a passagem do Verão, a passagem do tempo, e aquela melancolia das coisas que só têm sentido porque não as pudemos amar como devíamos.

Maria Luísa sabe andar de braço dado, um costume que vem do tempo do pudor, e isso diz tudo. Mencionei-lhe, por isso, "os ares do Verão", como se eu pudesse entender o que as mulheres pensam da sua vida. Não posso. Frequentemente imagino como teria sido a minha vida se não tivesse fugido – às vezes a sete pés – dos perigos que a podiam tornar cobiçada ou cheia de episódios memoráveis. Não foi, nunca, nem uma coisa nem outra. Sou apenas um espião que há vinte anos toma o pequeno-almoço à mesma hora e festeja a vida dos que o rodeiam. Depois, lembrando-me que o fresco nocturno aconselha um casaco, Maria Luísa convidou-me para tomar "um café" numa das esplanadas da praia. Regressei suavemente a um tempo que já não recordava, cheio de vozes, cheio de coisas amáveis, gestos de concordância e conversas que prolongavam a nossa vida. Mas recordar é um entretenimento de velhos. Aos quarenta e quatro anos, uma senhora recomeça a viver como se ouvisse esse som das harmónicas do meu tempo, jovial e adolescente. Aos quarenta e quatro anos eu tinha uma inclinação pelas mesmas coisas que hoje me comovem. O tempo passou depressa.

in Domingo - Correio da Manhã - 18 Julho 2010