domingo, fevereiro 26, 2012

Princípios gerais da teoria política

Toda a gente é unânime em considerar que o mundo está substancialmente melhor depois de Maio de 1834, quando o general Lemos depôs a sua assinatura sobre os documentos da Concessão de Evoramonte. Tirando esta família de convertidos ao cartismo que atravessou parte do século XIX e todo o século XX convencida da inutilidade do seu contributo para a vida política da pátria (se exceptuarmos algum arroubo durante a Monarquia do Norte e certo salazarismo incipiente, logo encerrado), a saída do senhor Dom Miguel para Génova foi um grande passo na direcção do futuro. O ramo mais radical dos Homem, que praticamente deixou de existir depois da morte da Tia Benedita Augusta, a matriarca de Ponte de Lima e figura tutelar da família, foi tentando alimentar uma espécie de nostalgia peregrina sobre os males do mundo, ou convencidos de que – tal como os abades do Minho – Dom Miguel não tardaria a regressar, ou certos de que a humanidade seguia na direcção do abismo e do Inferno. Esta ideia era muito popular entre os tios de Arcos de Valdevez, entre as montanhas e encostas de carvalhos sobreviventes.

No entanto, a esmagadora parte desta família de minhotos, de ex-minhotos e de vagamente minhotos, sobreviveu sem alguma vez sucumbir ao chamado apelo da Pátria, como se, desde a tarde em que o príncipe deixou para trás a espada e a poeira de Sines, e antes de se tornar um proscrito, cada parte tivesse seguido o seu caminho: a Pátria, na direcção do progresso, da República e da devassidão (esta era a ideia da Tia Benedita);os Homem, ao encontro do que lhes coube em sorte até hoje.

Temo-nos dado bem. A Pátria tem sobrevivido e empobrecido com mais ou menos sobressaltos; a família só ainda não conseguiu vencer o reumatismo, o gosto pela maledicência, o colesterol alto e as crises cardíacas.

O velho Doutor Homem, meu pai, acreditava que esta era a base de uma relação estável e duradoura entre as duas grandes entidades. Julgando-se um conservador britânico, o causídico era apenas um visionário. A minha sobrinha Maria Luísa, que cumpre a função de esquerdista da família, segue esses princípios mesmo sem o saber, o que eu atribuo a alguma inércia no capítulo genético. Explico-lhe, por exemplo, que – num conjunto de gerações que se dedicou à advocacia, à finança ou à preguiça, ela é a única empresária. Os seus princípios não são inamovíveis, como as muralhas de Valença, mas ouviu-me com desconfiança, com receio de ter caído em qualquer tentação direitista. Tranquilizei-a: a melhor maneira de viver feliz é não ter encontro marcado com a Pátria, nem querer salvá-la de alguma maneira. Isso bastou.

in Domingo - Correio da Manhã - 26 Fevereiro 2012