domingo, setembro 30, 2012

Os guarda-chuvas de Outono


Nenhuma crónica, comentaria o velho Doutor Homem, meu pai, poderia começar com a expressão “a chegada do Outono”. Um mínimo de sentido crítico iria relegá-la para a ordem das redacções da escolaridade obrigatória – que, na época, não existia. Um enorme conjunto de expressões e de metáforas e imagens obrigatórias fez a felicidade da “literatura escolar” (o arvoredo era obrigatoriamente “luxuriante” e o amor fraternal passava sempre por “comovente”), tal como hoje são repetitivas as fórmulas das notícias das televisões. O nosso habitual fornecedor de águas de Melgaço também acha que tem de “implementar” um novo “sistema de distribuição” quando quer dizer, com exactidão, que vai passar a entregar a caixa quinzenal às sextas-feiras em vez de o fazer às terças.

Mas a verdade é que o Outono apareceu de repente. Ao fim de semana, as dunas de Moledo são ainda um lugar de passeio, mas a foz do Minho, à direita, ao longe, assemelha-se aos pequenos estuários enevoados da costa de Biarritz, transformando a nossa província numa réplica do cosmopolitismo romântico do tempo dos meus pais. A minha sobrinha Maria Luísa escolhe as margens do Minho, em Caminha, para marchas matinais entre os amieiros e choupos, ao sábado. Ela julga que os passeios a pé são tónicos para o resto do dia (e mesmo da semana) e eu acompanho-a por vezes, à distância, percorrendo cem metros no mesmo tempo em que ela perfaz, ao cronómetro, um ou dois quilómetros de passo acelerado.

O velho Doutor Homem, meu pai, também acreditava nas virtudes curativas dos passeios a pé, mas vestia-se como um elegante para subir e descer a rua dos Clérigos. A vinda do Outono significava, para aquele bom ‘dandy’ portuense que sonhava viver em Inglaterra, o regresso da roupa de meia estação, um figurino que hoje não existe mas que, na época, significava o uso de colete ou de tweed, e a companhia de um guarda-chuva previdente. Hoje, em vez de mudar de roupa, as pessoas lamentam-se pelas correntes de ar que vagueiam ao longo da costa galega.

A ausência de guarda-chuva é o que distingue este tempo da época em que a meteorologia era tão irregular como a chegada do comboio de Viana. O velho Doutor Homem, meu pai, acreditava que o uso de guarda-chuva era um sinal de resignação diante das imprevisibilidade dos Elementos (que passavam por um período de descoordenação durante as primeiras semanas de Outono) e uma tentativa de desacreditar injustamente o Dr. Anthímio de Azevedo que, na televisão, anunciava ‘o tempo’ para o dia seguinte. 

in Domingo - Correio da Manhã - 30 Setembro 2012